Teoria pós-tonal.

Teoria dos conjuntos de classes de notas.

Generalidades.

  • Teoria dos Conjuntos (George Cantor, considerado fundador, década de 1870) e matemática (caráter científico);
  • Necessidade de novas ferramentas para analisar e entender a música pós-tonal (depois da dissolução da tonalidade);
  • Música serial (uma série dodecafônica permite 479.001.600 possibilidades): Schoenberg (uso de séries desde 1921 e anunciada em 1923) e Hauer (tropes de 1919 "lei das doze notas" e anunciada em 1923);
  • Considerada a primeira peça dodecafônica (???) de Schoenberg: Op. 25, suíte para piano; primeira composição de Hauer: Nomos, Op. 19, também para piano;
  • Sistemas de numeração de séries (1a. nota da série recebe número de posição 1 (europeus); 1a. nota posição 0 (americanos); a série que começa com dó recebe índice 0 (atual);
  • Teóricos e compositores (Perspectives of Contemporary Music Theory);
  • Babbitt (1960, 1a. vez usa: pitch-class set), Lewin (pentacordes: relação-Z), Martino (agregados, vetor intervalar) e Rothgeb; posteriormente Morris e Cohn; mais recentemente Timocsko (geometria da música).

Formuladores.

  • George Perle: Serial Composition and Atonality (1. ed. 1962; 6a. ed. (revisada) 1991);
  • Allen Forte: The Structure of Atonal Music (sistematização da teoria, classificação e denominação das classes de conjuntos) (1a. ed. 1977) e;
  • John Rahn: Basic Atonal Theory (1a. ed. 1980);
  • Livro-texto: Joseph N. Straus: Introduction to Post-Tonal Theory (1a. ed. 1990, 2a. ed. 2000, 3a. ed. 2005, traduzida para o português com correções, 4a. ed. 2016).

Precursores no Brasil, particularmente na Bahia.

  • Ilza Nogueira: aplicação em análise, composição e pioneira na divulgação da teoria;
  • Ma. Lúcia Pascoal: ensino da teoria e orientações de trabalhos relacionados;
  • Rodolfo Coelho de Souza: ensino, publicações, aplicações;
  • Jamary Oliveira: Ensino e programação de aplicativos como o Processador de Classes de Notas;
  • Ricardo Mazzini Bordini: aplicação em análise, composição, ensino e tradução da 3a. ed. do livro de Straus;
  • Alexandre Espinheira: aplicação em análise e composição (Guia de sugestões compositivas);
  • Marcos da Silva Sampaio: criação de aplicativos para aplicação da teoria em análise e composição integrados na suíte de aplicativos denominada Zarlino.

1. Conceitos básicos de notas e intervalos.

1.1 Equivalência de oitava.

A nossa notação musical reflete a equivalência de oitava dando o mesmo nome para notas relacionadas por oitava e são tratadas em geral como funcionalmente equivalentes.

Notas que estão separadas por uma (ou mais de uma) oitava justa podem ser consideradas equivalentes. Equivalentes não quer dizer idênticas. (Ver o Exemplo 1-1 ao lado.)


1.2 Equivalência enarmônica.

Na prática comum, Sib não é o mesmo que Lá#. Mesmo num instrumento com temperamento igual, elas têm significados e funções diferentes. Em geral a notação da música pós-tonal é funcionalmente arbitrária, determinada por conveniência ou legibilidade. (Ver o Exemplo 1-2 ao lado.)

Notas que são enarmonicamente equivalentes (como Si bemol e Lá sustenido) podem ser consideradas equivalentes.


1.3 Nota e classe de nota.

Ao invocar as equivalências de oitava e enarmônica, pode-se distinguir nota (uma nota com uma certa frequência) de uma classe de nota (um grupo de notas com o mesmo nome ou nomes enarmônicos).

Uma classe de notas é uma coleção de notas relacionadas por equivalências de oitava e enarmônica.


1.4 Classes de notas.

Há somente 12 classes de notas (as notas enarmônicas que soam iguais estão todas na mesma classe). Usa-se inteiros de 0 a 11 para se referir às classes de notas. Segue-se a notação com o “dó fixo” igual a 0 (zero). (Ver o Quadro 1-1.)

Quadro 1-1: classes de notas.

Nome com inteirosConteúdo da classe de notas
0Si#, Dó, Rébb
1Dó#, Réb
2Dóx, Ré, Mibb
3Ré#, Mib
4Réx, Mi, Fáb
5Mi#, Fá, Solb
6Fá#, Solb
7Fáx, Sol, Lább
8Sol#, Láb
9Solx, Lá, Sibb
10Lá#, Sib
11Láx, Si, Dób

Cada uma das 12 classes de notas é identificada por um inteiro de 0 a 11.


1.5 Módulo 12 (mod12) aritmético.

Cada nota pertence a uma das 12 classes de notas. Subir uma oitava (adicionar doze semitons) ou descer uma oitava (subtrair doze semitons) produzirá outro membro da mesma classe de notas.

Qualquer número maior do que 11 ou menor do que 0 é equivalente a algum inteiro entre 0 e 11. A operação aritmética módulo 12 (abreviada mod 12) reduz pela adição ou subtração de 12 qualquer número maior do que 11 ou menor do que 0.

As notas estão localizadas num espaço de notas expandido, variando em semitons de temperamento igual dos sons audíveis mais graves aos mais agudos. O pentagrama é bom exemplo de espaço de notas : ele provê posições distintas para todas as notas. Em contraste, as classes de notas estão localizadas num espaço de classes de notas modular, que circula em si mesmo e contém somente as doze classes de notas. (Ver a Figura 1-1.)

Figura 1-1: espaço modular de classes de notas.

No espaço modular de classes de notas (representado pelo mostrador de relógio das classes de notas), indo para cima ou para baixo por doze semitons conduz a outro membro da mesma classe de notas.


1.6 Intervalos (calculados em semitons).

Na música tonal, os intervalos entre duas notas são nomeados com referência aos graus de uma escala diatônica (e.g., terça maior, quinta diminuta). Na música pós-tonal, entretanto, não há necessidade de se referir a escalas diatônicas. Os intervalos na música pós-tonal são nomeados pela quantidade de semitons que eles contêm. (Ver o Quadro 1-2.)

Quadro 1-2: intervalos calculados em semitons.

Nome tradicionalQuantidade de semitons
Primeira justa (uníssono)0
Segunda menor, primeira aumentada1
Segunda maior, terça diminuta2
Terça menor, segunda aumentada3
Terça maior, quarta diminuta4
Quarta justa, terça aumentada5
Quarta aumentada, quinta diminuta6
Quinta justa, sexta diminuta7
Sexta menor, quinta aumentada8
Sexta maior, sétima diminuta9
Sétima menor, sexta aumentada10
Sétima maior11
Oitava12
Nona menor13
Nona maior14
Décima menor15
Décima maior16

Intervalos são calculados em semitons, não em graus diatônicos ou com as tradicionais designações de qualidade (como maior ou menor).


1.7 Intervalos de notas (ordenados e não ordenados).

Um intervalo de notas (in) é a distância entre duas notas no espaço de notas*; para intervalos diretos ou intervalos ordenados de notas (ion), um número precedido do sinal de mais (+) indica um intervalo ascendente e pelo sinal de menos (-) um intervalo descendente; para intervalos não ordenados de notas (inon), o número indica apenas a distância absoluta em semitons sem considerar a direção.

Os intervalos ordenados de notas focam a atenção no contorno da linha e o equilíbrio entre os movimentos ascendentes e descendentes. (Ver o Exemplo 1-3a ao lado.) Os intervalos não ordenados de notas ignoram o contorno e concentram-se no espaço entre as notas. (Ver o Exemplo 1-3b ao lado.)

Um intervalo de notas (in) é o intervalo entre duas notas e pode ser entendido tanto como ordenado (i.e., ascendente ou descendente) ou não ordenado (o espaço entre as notas sem considerar a direção).

* O espaço de notas é o espaço linear em que as notas cromáticas se sucedem ordenadamente contendo tantas oitavas quantas forem necessárias.


1.8 Intervalos ordenados de classes de notas.

Um intervalo ordenado de classes de notas (iocn) é a distância entre duas classes de notas no espaço modular das classes de notas*. Nunca é maior do que 11 semitons. Um intervalo não ordenado de classes de notas (inocn) refere-se apenas ao menor intervalo entre as notas independente da direção.

Considera-se o movimento no sentido horário equivalente à direção ascendente e o movimento anti-horário à direção descendente. Sempre há dois intervalos complementares: a partir de uma determinada classes de notas pode-se chegar à outra no sentido horário (+) ou no sentido anti-horário (-). Por convenção usa-se geralmente inteiros positivos de 0 a 11. Eventualmente pode-se identificar intervalos maiores do que 6 pelo seu equivalente negativo: 7 = -5, 8 = -4, 9 = -3, 10 = -2 e 11 = -1. A fórmula para calcular intervalos de classes de notas é: y – x (mod 12). Para calcular intervalos ordenados de classes de notas no mostrador de relógio simpesmente conte os semitons a partir da primeira nota até a segunda nota no sentido horário. (Ver o Exemplo 1-4 ao lado.)

Como a ordem entre as classes de notas é importante, quando se reverte a ordem das notas, o intervalo resultante é o complemento mod 12 um do outro, pois somam 12 (ou 0 que, é equivalente a 12). (Ver o Quadro 1-3.)

Quadro 1-3: complementos mod 12.

Complementos mod 12
0 e 12
1 e 11 (ou -1)
2 e 10 (ou -2)
3 e 9 (ou -3)
4 e 8 (ou -4)
5 e 7 (ou -5)
6 e 6

Um intervalo ordenado de classes de notas (iocn) é o intervalo entre duas classes de notas calculado contando-se a quantidade de semitons no mostrador de relógio de classes de notas da primeira para a segunda nota

* O espaço modular de classes de notas é o espaço circular contendo apenas 12 classes de notas reduzidas, portanto, a apenas uma oitava pelo mod 12.


1.9 Intervalos não ordenados de classes de notas.

Para intervalos não ordenados de classes de notas não importa se são ascendentes ou descendentes. Tudo o que importa é o espaço entre as classes de notas considerando o caminho mais curto. A fórmula para calcular o intervalo não ordenado de classes de notas é: x – y (mod 12) ou y – x (mod 12), o que for menor. (Ver o Exemplo 1-5 ao lado.)

Um intervalo não ordenado de classes de notas (inocn) é o intervalo entre duas classes de notas calculado tomando-se a direção mais curta no mostrador de relógio de classes de notas da primeira para a segunda nota (a ordem das notas não mais importa – apenas o espaço entre elas).


1.10 Classes de intervalos.

Um intervalo não ordenado de classes de notas é também chamado de classe de intervalo (ci). Assim como cada classe de notas pode conter muitas notas equivalentes, as classes de intervalos também podem conter intervalos equivalentes. Intervalos compostos são considerados equivalentes às suas contrapartes dentro da oitava. Intervalos maiores do que 6 são considerados equivalentes aos seus complementos mod 12 (na teoria tradicional chamados de inversões).

Quadro 1-4: classes de intervalos.

Classes de intervalosIntervalos de notas
00, 12, 24
11, 11, 13
22, 10, 14
33, 9, 15
44, 8, 16
55, 7, 17
66, 18

Têm-se assim quatro meios de falar sobre intervalos: 1) intervalos ordenados de notas, 2) intervalos não ordenados de notas, 3) intervalos ordenados de classes de notas e, 4) intervalos não ordenados de classes de notas. Alguns são mais concretos e específicos enquanto outros são mais gerais e abstratos. Qual usar depende de que relação musical se está querendo descrever. (Ver o Exemplo 1-6.)

Exemplo 1-6: quatro meios de descrever um intervalo.

Há sete classes de intervalos (ci) diferentes, cada uma contendo muitos intervalos de notas diferentes, relacionados por equivalência de oitava (e.g., in15 = ci3) e complementação mod 12 (e.g., tanto in9 quanto in3 = ci3).


1.11 Conteúdo classe-intervalar.

A qualidade sonora de uma coleção de classes de notas pode ser aproximadamente sugerida listando-se as classes de intervalos que ela contém: que é o conteúdo classe-intervalar. Depende da quantidade de classes de notas distintas da coleção. Quanto maior a quantidade de classes de notas, maior será a quantidade de classes de intervalos formada entre elas.

Quadro 1-5: quantidades de classes intervalares.

Quantidade de classes de notasQuantidade de classes de intervalos
10
21
33
46
510
615
721
828
936
1045
1155
1256

O conteúdo classe-intervalar de uma coleçao pode ser resumido numa espécie de placar indicando na coluna apropriada a quantidade de ocorrências de cada uma das seis classes de intervalos exceto o zero. Não são contados os uníssonos (classe de intervalos 0) e conta-se todos os intervalos da coleção, não somente aqueles formados por notas adjacentes. (Ver o Exemplo 1-8.) [O exemplo de Straus é diferente.]

Exemplo 1-8: exemplo de conteúdo classe-intervalar.

O conteúdo classe-intervalar de uma coleção de notas é a quantidade de vezes que cada classe de intervalos não-zero pode formar com as classes de notas na coleção.


1.12 Vetor classe-intervalar.

O conteúdo classe-intervalar é representado por uma sequência de seis números sem espaços entre eles. É chamado de vetor classe-intervalar. O primeiro número do vetor fornece a quantidade de ocorrências da classe de intervalos 1; o segundo a quantidade de ocorrências da classe de intervalos 2 e, assim por diante. (Ver a Figura 1-2.)

Figura 1-2: vetor classe-intervalar da escala maior.

Observe-se o processo metódico de extrair cada classe de intervalo. Como qualquer coleção de sete notas, há 21 intervalos ao todo.

Certas propriedades intervalares da escala maior são imediatamente aparentes no seu vetor classe-intervalar. Ele tem somente um trítono (menos do que qualquer outro intervalo) e seis ocorrências da classe de intervalos 5, que contém a quarta e a quinta justas. (mais do que qualquer outro intervalo).

O vetor classe-intervalar da escala maior tem outra propriedade interessante: ele contém quantidades diferentes de cada uma das classes intervalares. Essa é uma propriedade extremamente importante e rara (somente três outras coleções a têm).

Um vetor classe-intervalar é um sumário do conteúdo das classes-intervalares de uma coleção de classes de notas, escrito como uma linha de números com seis elementos.


1.13 Espaçamento e registro.

Coleções de notas com o mesmo conteúdo intervalar podem ser arranjadas de diferentes modos no espaço de notas com efeitos notáveis sobre a sonoridade. Pode-se arranjar uma coleção em diferentes ordens de registro, lendo da mais grave para a mais aguda. Acordes espaçados podem ser ordenados por classes de intervalos em vez de intervalos de notas. Uma coleção de três botas pode ser arranjada de seis maneiras diferentes, cada qual com intervalos de espaçamento distintos. (Ver o Quadro 1-6.)

Quadro 1-6: espaçamentos diferentes.

Dó#Dó#Sol#Sol#
Dó#Sol#Sol#Dó#
Sol#Sol#Dó#Dó#
[1] [4][5] [8][11] [5][5] [1][4] [5][8] [11]

[O exemplo de Straus e diferente.] (Ver o Exemplo 1-9 ao lado.)

O espaçamento de um acorde pode ser identificado pelos intervalos ordenados de classes de notas entre notas adjacentes por registro no acorde, lendo a partir do baixo.