UNIDADE 9B.

Harmonia tonal diatônica.

Antes de iniciar o estudo desta unidade certifique-se de ter compreendido e estudado o conteúdo da Unidade 9A. Apesar de não ser de todo imprescindível estudar aquela Unidade e as outras que lá estão elencadas como pré-requisitos, nela há informações úteis e importantes que merecem ao menos uma leitura atenta. As Unidades 4 (Escalas) e 5 (Acordes) são pré-requsitos para compreender esta Unidade. Convenções de notação para análise de graus estão no item 4 e também no item 11 (baixo cifrado) da Unidade 5.

Generalidades.

A abordagem nesta Unidade para a parte de harmonia extrai dos exemplos de Kostka os procedimentos abstratos que podem ser aplicados a quaisquer acordes diatônicos e obviamente em quaisquer tonalidades. Em vez de pensar em "regras" é melhor pensar que são práticas, ou ainda melhor, técnicas. Em vez de demonstrar as técnicas de encadeamento usando exemplos específicos, usar-se-á esquemas genéricos e o estudante poderá exercitá-los mudando a seu gosto as tonalidades e os acordes envolvidos.

A harmonia tonal diatônica é a base da harmonia e envolve apenas os acordes obtidos pela superposição de notas das escalas maiores e menores, portanto, sem acordes alterados (exceto aquelas alterações inerentes às escalas menores). Começa-se com os encadeamentos de tríades em posição fundamental, que são as mais comuns e complexas para encadear e que também são a base das progressões harmônicas.


Harmonia tonal diatônica

Definições.

Historicamente a harmonia surge do contraponto. "A palavra contraponto presumidamente originou-se no início do Século XIV e derivou-se de punctus contra punctum, 'ponto contra ponto' ou 'nota contra nota'" (Jeppesen, 1939, p. 3) [ver o item Neumas na Unidade sobre História da Notação]. Refere-se às técnicas para criar e superpor melodias que sejam satisfatórias tanto isoladamente quanto em conjunto.

"A harmonia tonal refere-se à música com um centro tonal, baseada nas escalas maiores e menores e, que usa acordes construídos por terças que estão relacionados uns com os outros e com o centro tonal de várias maneiras" (Kostka et alii, 1918, p. xvi). Refere-se aos processos de encadear acordes e suas progressões funcionais.

A relação entre contraponto e polifonia e, entre homofonia e harmonia está bem registrada em Jeppesen: "assim como a polifonia imediatamente sugere a ideia contrastante, homofonia, também o termo contraponto traz à mente o conceito correlato, harmonia (Jeppesen, 1939, p. 3).

Acorde é um termo genérico que se refere à superposição de duas ou mais terças. Tríades são acordes construídos por duas terças superpostas (três notas portanto), tétrades por três terças e assim por diante.


01 - Convenções de notação, extensão, distribuição e espaçamento das vozes.

Antes de iniciar com as técnicas de encadeamento, faz-se necessário estabelecer algumas convenções de notação.

Para o estudo da harmonia usa-se um sistema de duas pautas (típico de instrumentos de teclado) e escreve-se o soprano e o contralto na primeira pauta com a clave de Sol e o tenor e o baixo na segunda pauta com a clave de Fá. As vozes do soprano e do tenor são escritas com as hastes para cima e as do contralto e do baixo com as hastes para baixo (Exemplo 1a). Mesmo que as vozes se cruzem, deve-se manter as hastes próprias de cada voz (Exemplo 1b). Se houver um uníssono entre o contralto e o tenor por exemplo, deve-se escrever as duas notas uma em cada pauta (Exemplo 1c). Se o contralto necessitar de linhas suplementares inferiores e o tenor de linhas suplementares superiores, deve-se escrevê-las todas em cada pauta e não passar a voz para a outra clave (Exemplo 1d).

Exemplo 1: escrita das partes.

A extensão das vozes é ligeiramente diferente daquelas preconizadas por Jeppesen para o contraponto modal. Segundo Kostka (2018, p. 72) a extensão vocal confortável para os exercícios de harmonia é a seguintes:

Exemplo 2: extensão das vozes.

Há basicamente duas maneiras de distribuir as notas de um acorde entre as vozes: posição fechada e posição aberta. Diz-se que a posição é fechada quando há uma oitava ou menos de uma oitava entre o tenor e o soprano; quando há mais de uma oitava, então a posição é aberta, conforme mostra o Exemplo 3.

Exemplo 3: posição fechada e aberta.

Espaçamento: não se deve deixar mais de uma oitava entre as vozes superiores (entre tenor e contralto e entre contralto e soprano), mas entre tenor e baixo não há limites desde que se mantenham dentro da extensão recomendada. Evitar cruzamentos, mas podem ocorrer entre o tenor e o contralto; cruzamentos do contralto acima do soprano ou do tenor abaixo do baixo modificam a linha melódica da voz superior e podem mudar a inversão dos acordes se o tenor cruzar o baixo.

Além dessas convenções tradicionais, há que se considerar outras convenções específicas da abordagem empregada nesta Unidade.

Legenda:

  • Uma linha curva indica que há uma ou mais notas comuns entre os dois acordes e que é ou são mantidas na mesma voz;
  • Uma linha sólida indica que a nota da primeira tríade se move por grau conjunto na direção indicada pela seta para a nota de outra tríade;

  • Uma linha pontilhada indica que a nota da primeira tríade salta uma terça na direção indicada pela seta para a nota de outra tríade;

  • Uma linha tracejada e pontilhada indica que a nota da primeira tríade salta uma quarta na direção indicada pela seta para a nota de outra tríade;

  • O movimento do baixo que está sempre em posição fundamental é indicado como na figura a seguir; F1 e F2 são as fundamentais das tríades envolvidas e o intervalo entre elas e a direção do movimento estão indicados pela seta.

  • Os elementos das tríades estão referenciados assim: F: fundamental; T: terça e Q: quinta;
  • O número depois da letra indica de qual tríade se trata: F1, T1 e Q1 são as notas da primeira tríade e F2, T2 e Q2 são as da segunda tríade (em alguns casos haverá ainda uma terceira tríade indicada por: F3, T3 e Q3).

02 - Tipos de encadeamentos possíveis.

Considerando-se as fundamentais das tríades de uma determinada tonalidade, há somente quatro tipos de encadeamentos possíveis (Kostka, 2018, pp. 81-94):

  1. As fundamentais estão separadas por primeira justa ou sua inversão a oitava, e nesse caso o acorde permanece o mesmo: eventualmente pode-se desejar mudar a disposição das notas de um mesmo acorde e esse tipo de encadeamento atende a esse propósito;
  2. As fundamentais estão separadas por segundas ou suas inversões as sétimas: encadeamento comum quando se quer, por exemplo, fazer uma progressão de engano; este tipo de encadeamento não tem notas em comum e, portanto, deve ser tratado com cuidado para evitar quintas e oitavas paralelas;
  3. As fundamentais estão separadas por terças ou suas inversões as sextas: encadeamento comum e talvez o mais fácil de encadear pois contém duas notas em comum; e
  4. As fundamentais estão separadas por quartas ou suas inversões as quinta: talvez o tipo de encadeamento mais importante, pois está na base das progressões harmônicas por círculo de quintas ou nos encadeamentos da tônica com a subdominante e da dominante com a tônica; este tipo de encadeamento mantém uma nota em comum.

O Exemplo 4 a seguir mostra essas relações.

Exemplo 4: possibilidades de encadeamento entre fundamentais.

O sistema tonal (e modal também) é altamente redundante, quer dizer, a mesma nota a depender da posição em que está no acorde muda a sua função. A escala diatônica contém apenas sete notas e como cada tríade é constituída de duas terças (três notas) obtém-se vinte e uma notas, portanto, há duas repetições de cada nota da escala. Se se consideram as tétrades, há três terças (quatro notas) em cada acorde e o total passa a ser de vinte e oito notas. Assim, a nota do primeiro grau por exemplo, pode estar posicionada como fundamental do acorde da tônica, como terça do acorde da submediante, como quinta do acorde da subdominante e como sétima da supertônica, e o mesmo ocorre com cada uma das sete notas da escala com outros graus evidentemente. Na posição fundamental a nota estabelece o grau do acorde, na posição de terça, define se o acorde é maior ou menor, na posição de quinta se ele é perfeito (quinta justa), diminuto ou aumentado e na posição de sétima se o acorde é de sétima menor (enarmônica da sexta aumentada), maior, meio-diminuto ou diminuto. Talvez essa hierarquia de funções seja uma das responsáveis pela eficácia longeva do sistema tonal.


03 - Quintas e oitavas questionáveis.

Viu-se na Unidade 9A que primeiras justas (uníssonos), quintas justas e oitavas justas paralelas e diretas já eram preocupações dos compositores de música modal desde há muito. Aqui no sistema tonal elas perduram. Na harmonia a três partes há três pares de vozes e na harmonia a a quatro partes, há seis pares de vozes a serem consideradas. Como oitavas justas são inversões de primeiras justas, no texto a seguir ao se ler oitava, subentende-se primeiras também, ambas justas, obviamente.

Segundo Kostka (2018, pp. 75-78), os seguintes paralelismos devem ser observados com cuidado:

  1. Quintas e oitavas paralelas: quintas e oitavas paralelas devem ser evitadas, quer dizer, qualquer par de vozes não pode se mover na mesma direção pelo mesmo intervalo melódico se estiverem separadas pelo intervalo harmônico de quinta ou oitava.
  2. Exemplo 5: Quintas e oitavas paralelas.

    No Exemplo 5a o tenor e o contralto se movimentos por primeiras justas (uníssonos), no 5b o tenor e o soprano se movem or quintas paralelas e no 5c o baixo e o contralto se movem por oitavas paralelas; todas devem ser evitadas. Observe-se no Exemplo 5d que o movimento linear não consiste de oitavas (ou quintas ou primeiras) paralelas porque as notas foram apenas repetidas na mesma oitava. No Exemplo 5e as quintas paralelas não foram obtidas com o mesmo par de vozes: a quinta do primeiro acorde ocorre entre baixo e soprano e no segundo entre baixo e contralto e, portanto, estão corretas.

  3. Quintas e oitavas por movimento contrário: quintas ou oitavas seguidas, mesmo que sejam obtidas por movimento contrário, devem ser evitadas; o movimento contrário não mascara o paralelismo nesses casos.
  4. Exemplo 6: Quintas por movimento contrário.

    No Exemplo 6a vê-se quintas paralelas entre baixo e tenor e no 6b a mudança de oitava na voz do baixo invertendo o movimento paralelo para movimento contrário, entretanto, auditivamente elas continuam sendo paralelas e devem ser evitadas (no contraponto modal elas são permitidas).

  5. Quintas desiguais: quintas justas e diminutas também devem merecer atenção. Se não envolverem o baixo pode-se fazer uma quinta justa ser seguida por uma diminuta e esta novamente por outra quinta justa; se o baixo estiver envolvido, uma quinta justa pode ser seguida de uma diminuta, mas uma diminuta não pode ser seguida por uma justa [o exemplo 7 foi baseado em Kostka (2018, p. 76).
  6. Exemplo 7: Quintas desiguais.

    Quintas desiguais entre vozes internas são permitidas como mostra o Exemplo 7a; se envolverem o baixo e qualquer outra voz, uma quinta justa pode ser seguida por uma quinta diminuta como no Exemplo 7b, mas uma quinta diminuta não pode ser seguida por uma justa como no 7c. Esses usos variam de compositor para compositor e são princípios gerais mais para efeito didático.

  7. Quintas e oitavas diretas (ou ocultas): estas ocorrem quando as vozes externas se movem em direção a uma quinta ou oitava na mesma direção; se o soprano se move por salto na mesma direção do baixo e este se move tanto por grau conjunto quanto por salto, então devem ser evitadas; se o soprano se move por grau conjunto, então são permitidas; entre vozes externas e internas ou entre vozes internas são todas permitidas.
  8. Exemplo 8: Quintas e oitavas diretas.

    No Exemplo 8a o baixo e o soprano executam um movimento similar partindo de um intervalo harmônico de sexta (composta) e se dirigem para uma quinta justa; mesmo que o baixo tenha se movido por grau conjunto, como houve um salto no soprano, essa quinta direta não é permitida. De modo semelhante, no Exemplo 8b novamente o baixo e o soprano se movem ambos por salto partindo de uma terça (composta) para uma oitava por movimento similar e, portanto, também essa oitava direta não é permitida. No Exemplo 8c o baixo e o contralto direcionam-se por movimento similar para uma quinta direta, e por envolver o baixo e uma voz interna, essa quinta direta é permitida. Assim também o é o encadeamento do Exemplo 8d pelo fato de que o soprano se move por grau conjunto.

Quintas e oitavas paralelas, contrárias ou diretas ocorrem eventualmente em partes instrumentais (no basso d'Alberti por exemplo, onde a alternância das notas de um acorde mascara as quintas paralelas ou em cadências quando as vozes externas delineiam o movimento da dominante para a tônica), mas nas partes vocais devem ser evitadas. É importante ter em mente que essas objeções advêm das práticas de fazer música tonal desde o período Barroco até parte do Romantismo, mas em música altamente cromática do final do Romantismo e particularmente do Impressionismo em diante, principalmente as quintas paralelas ocorrem frequentemente.

Tendo-se estudado o conteúdo até aqui apresentado, passa-se a estudar os encadeamentos de tríades em posição fundamental e com a fundamental duplicada.


Encadeamento de tríades ambas em posição fundamental e com a fundamental duplicada

04 - Fundamentais separadas por quartas (ou quintas).

De acordo com Kostka (2018, pp. 83-85), há três técnicas para encadear fundamentais separadas por quartas ou quintas com as fundamentais duplicadas:

  1. Nota comum e grau conjunto:
  2. Nesses encadeamentos sempre há uma nota comum entre as duas tríades. Se o baixo descer uma quinta (ou subir uma quarta), mantém-se a nota comum ligada (ou repetida) na mesma voz e as duas restantes vão subir por grau conjunto na direção contrária do baixo (se o baixo subir uma quarta então elas vão na mesma direção) como mostra o Exemplo 9a. Se o baixo subir uma quinta (ou descer uma quarta), mantém-se a nota comum ligada (ou repetida) na mesma voz e as duas restantes vão descer por grau conjunto na direção contrário do baixo (se o baixo descer uma quarta então elas vão na mesma direção) como mostra o Exemplo 9b.

    Exemplo 9:

    As duas vozes que se movem por grau conjunto são sempre a terça e a quinta da tríade e, portanto, formam um intervalo de terça (ou sexta). Não importa como as vozes superiores estejam distribuídas, mesmo que elas se movam na direção do baixo, nunca haverá quintas ou oitavas paralelas, e as ocultas estarão cobertas pelo movimento por grau conjunto ou oblíquo (se estiver com a nota comum) do soprano. A nota comum é sempre a segunda fundamental de uma tríade (a primeira está no baixo) e a quinta de outra. A quinta de uma será a terça da outra e a terça de uma será a segunda fundamental de outra (a primeira está no baixo).

  3. Movimento similar por segundas e terças:
  4. Embora haja uma nota comum nesses encadeamentos, se por alguma razão não se desejar mantê-la na mesma voz, essa técnica pode ser aplicada. Entretanto, envolve alguns cuidados especiais com quintas e oitavas diretas e de colocação da sensível a depender do movimento do baixo. No Exemplo 10a o baixo sobe uma quarta (ou desce uma quinta), duas outras vozes vão descer por salto de terça na direção contrária ao baixo e a voz restante vai mover-se por grau conjunto também na direção contrária ao baixo (se o baixo descer uma quinta então elas vão todas na mesma direção do baixo). No Exemplo 10b o baixo desce uma quarta (ou sobe uma quinta), igualmente duas das outras vozes vão subir por salto de terça na direção contrária ao baixo e a voz restante vai mover-se por grau conjunto também na direção contrária ao baixo (se o baixo subir uma quinta então elas vão todas na mesma direção do baixo).

    Exemplo 10:

    Atenção: diferentemente da primeira técnica em que as vozes superiores podem ser colocadas em qualquer posição, se o primeiro desses acordes for o acorde da dominante, a terça (que é a sensível) não pode ficar na voz superior porque ela é uma das vozes que vai descer uma terça e resolver na quinta do segundo acorde, e como a sensível numa voz externa deve resolver subindo por grau conjunto para o primeiro grau, não se pode usá-la nessa posição, ela necessariamente deve estar em uma voz interna como mostra o Exemplo 10c.

    Outro cuidado adicional deve ser o de não colocar no soprano a voz que faz T1 - Q2 no Exemplo 10a ou a voz que faz T1 - F2 no Exemplo 10b se o baixo descer uma quinta no primeiro caso ou subir uma quinta no segundo caso. Isso vai gerar quintas diretas com o baixo e o soprano movendo-se por salto no primeiro caso e oitavas diretas com o baixo e o soprano movendo-se por salto no segundo caso. Essas vozes devem estar em vozes internas.

  5. Salto entre as terças dos acordes, nota comum e grau conjunto:
  6. Essa técnica nao produz resultados tão suaves quanto as outras, mas permite alternar acordes em posição fechada com posição aberta. Primeiramente faz-se a terça da primeira tríade saltar para a terça de segunda tríade (salto de quarta), mantém-se a nota comum na mesma voz e a nota restante move-se por grau conjunto conforme se pode ver no Exemplo 11.

    Exemplo 11:

    Como na primeira técnica, as vozes superiores podem estar em qualquer posição exceto quando a primeira tríade for a da dominante já que a sua terça (que é a sensível) vai saltar para a terça da segunda e, portanto, não pode ficar na voz do soprano onde a sensível deve resolver subindo para o primeiro grau. O baixo e a voz que salta de terça para terça podem tanto se moverem na mesma direção (terças paralelas) ou por movimento contrário, portanto, não faz diferença de o baixo sobe ou desce. A voz que faz o movimento por grau conjunto vai prover ou a quinta ou a fundamental e pode ficar na voz superior mesmo que o baixo salte na mesma direção pois o movimento por grau conjunto encobre a quinta e a oitava diretas se estiverem no soprano.


05 - Fundamentais separadas por terças (ou sextas).

Esses encadeamentos são fáceis de manejar já que as tríades envolvidas têm duas notas em comum (Kostka 2018, pp. 86-87).

Duas notas comuns e grau conjunto:

Se as tríades estiverem ambas com a fundamental duplicada, a técnica mais simples é manter as duas notas comuns estacionárias nas mesmas vozes e fazer a voz restante mover-se por grau conjunto na direção contrária do baixo. Se o baixo descer uma terça a nota que se move por grau conjunto subirá (Exemplo 12a) e se o baixo subir uma terça (ou subir uma sexta) ela descerá por grau conjunto (Exemplo 12b).

Exemplo 12:

A voz que se move por grau conjunto quando o baixo desce proverá a oitava do baixo por movimento contrário e quando o baixo sobe proverá a quinta do baixo por movimento contrário, portanto, a distribuição das vozes superiores pode ser modificada à vontade. Mesmo se o baixo subir uma sexta no primeiro caso ou descer uma sexta no segundo caso, a voz que se move por grau conjunto se moverá na mesma direção do baixo, e pode-se também colocá-la no soprano já que as oitavas ou quintas diretas resultantes estarão cobertas pelo movimento por grau conjunto.


06 - Fundamentais separadas por segundas (ou sétimas).

Nesses encadeamentos não há notas em comum entre as duas tríades envolvidas. Os exemplos supõem que o movimento do baixo se dá por segundas em vez de sétimas (Kostka 2018, pp. 87-89).

Contrárias ao baixo:

Como as tríades estão com a fundamental duplicada e completas, a única possibilidade de encadeá-las sem que resultem quintas e oitavas paralelas é fazer todas as vozes superiores moverem-se na direção contrária do baixo. Se o baixo subir uma segunda, duas vozes se moverão por grau conjunto e a restante por salto de terça, todas na direção contrária do baixo conforme o Exemplo 13a. Se o baixo descer uma segunda as vozes superiores subirão conforme o Exemplo 13b.

Exemplo 13:

A voz que se move por grau conjunto quando o baixo desce proverá a oitava do baixo por movimento contrário e quando o baixo sobe proverá a quinta do baixo por movimento contrário, portanto, a distribuição das vozes superiores pode ser modificada à vontade. Mesmo se o baixo subir uma sexta no primeiro caso ou descer uma sexta no segundo caso, a voz que se move por grau conjunto se moverá na mesma direção do baixo, e pode-se também colocá-la no soprano já que as oitavas ou quintas diretas resultantes estarão cobertas pelo movimento por grau conjunto.

Um cuidado muito especial deve ser tomado quando a primeira tríade for a da dominate (cuja terça é a sensível). Como os baixos se movem por segundas (ou sétimas) a próxima tríade será a da submediante - este encadeamento é conhecido como um tipo de cadência de engano - e haverá necessidade de técnicas de encadeamento diferentes para o modo maior e o menor.

Como neste caso a terça será a sensível, se ela estiver no soprano, deverá resolver na mesma direção do baixo e não na direção contrária como as outras vozes. Isso resultará em uma tríade de submediante com a terça da tríade duplicada, já que a terça da submediante é o primeiro grau (a tônica). Não há nenhum problema com isso e as vozes superiores podem ser distribuídas à gosto. Se por outro lado a sensível estiver em uma voz interna, ela pode seguir seu movimento natural contra o baixo e a fundamental então ficará duplicada. Os Exemplo 14a e 14b mostram esses resultados.

Exemplo 14:

Atenção, essa segunda técnica só pode ser utilizada no modo maior, pois no menor há um problema adicional. No modo menor quando se aplica a técnica normal de fazer todas as vozes se moverem na direção contrária do baixo, a terça não pode estar no soprano como já se viu e ela necessariamente deve estar numa voz interna. O que acontece ao se fazer esse encadeamento é que o intervalo entre a terça da tríade da dominante (sensível alterada) e a fundamental da submediante (sexto grau abaixado) formam um intervalo de segunda aumentada. Esse intervalo tradicionalmente é evitado pelo efeito "estranho" que provoca. No modo maior não há problema porque o movimento de grau conjunto é de uma segunda menor, mas no modo menor é de uma segunda aumentada. Consequentemente, no modo menor deve-se usar a técnica de fazer a sensível ir na mesma direção do baixo e duplicar a terça e, portanto, as vozes superiores podem ser distribuídas à vontade. Isso tudo está mostrado nos Exemplos 15a e 15b.

Exemplo 15:


07 - Fundamentais separadas por primeiras (ou oitavas).

Fundamentais repetidas:

Nesses encadeamentos as duas tríades envolvidas são iguais, as fundamentais são as mesmas e podem ser mantidas no baixo ou este pode saltar uma oitava; os demais membros do acorde podem mudar livremente de posição desde que o espaçamento entre as vozes seja mantido dentro dos limites (Kostka 2018, pp. 82-83). Algumas possibilidades estão apresentadas no Exemplo 16 a seguir.

Exemplo 16:


Encadeamento de tríades em primeira inversão.

08 - Generalidades.

O encadeamento de tríades em primeira inversão não apresenta dificuldades a mais e os princípios gerais de encadeamento para tríades em posição fundamental são os mesmos. Com a terça no baixo, tanto se pode duplicar a terça, o que reforça a nota do baixo, quanto a fundamental. Há algumas restrições quando a terça da tríade for a sensível que nunca deve ser duplicada. [Ver Kostka (2018, pp. 114-132).]

É importante observar que a primeira inversão de uma tríade não muda a sua função harmônica. A primeira inversão suavisa a linha melódica do baixo e proporciona sonoridades mais variadas. Tríades em primeira inversão surgem naturalmente quando o baixo está com a melodia ou arpejando as notas da tríade e nesses casos não é necessário analisar nota por nota do baixo para indicar a inversão, basta indicar a que é mais frequente ou a que está numa posição mais grave.

Segundo Kostka (2028, p. 116) há três razões principais para usar tríades em primeira inversão:

  1. melhorar o contorno melódico do baixo;
  2. prover maior variedade de notas na linha do baixo; e
  3. diminuir a força de encadeamentos V-I que não sejam o objetivo final de movimentos harmônicos.

09 - A tríade da submediante em primeira inversão.

Apesar de não modificar a sua função, a primeira inversão da tríade da submediante (sexto grau) não deve ser precedida da tríade da dominante. O que acontece é que como a terça da tríade da dominante é o primeiro grau (a tônica) e estará no baixo, o que se ouve é o movimento da dominante para a tônica (V-vi6 ou V-VI6) no baixo, mas como o acorde de resolução não é a tríade da tônica, tem-se a impressão de que o acorde está "errado". O Exemplo 17 baseado em Kostka (2018, p. 117) mostra o efeito desse encadeamento a ser evitado.

Exemplo 17:

A tríade da submediante em primeira inversão em geral aparece como acorde de passagem entre a tríade da tônica e a da supertônica ambas em posição fundamental, prolongando assim a função da tônica. Essa técnica é conhecida como 5-6 pois a primeira inversão da tríade da submediante evita as quintas paralelas entre as tríades externas como mostra o Exemplo 18. A tríade da submediante em primeira inversão também ocorre como parte de progressões harmônicas. [O Exemplo 18 foi modificado a partir do de Kostka (2018, p. 118).]

Exemplo 18:

10. Acordes de sexta paralela

Uma aplicação comum de acordes em primeira inversão é permitir que sequências paralelas de acordes separados por segundas os quais em posição fundamental resultariam em quintas e oitavas paralelas, por causa da inversão, convertem as quintas em quartas, e quartas paralelas se não envolverem o baixo (como é o caso) podem ser usadas (Exemplo 19a). O encadeamento a quatro partes em geral contém as fundamentais na voz superior, as terças no baixo obviamente, as quartas numa das vozes internas e a voz restante alterna uma duplicação da terça no baixo e uma fundamental do soprano (Exemplo 19b).

Exemplo 19:

11 - Cuidados!

A terça do acorde da dominante é a sensível e neste caso não se deve duplicá-la pois ambas tenderão a resolver paralelamente no primeiro grau e memo que se fruste a resolução em uma das vozes duplicadas o resultado não é satisfatório; pela mesma razão não se deve dobrar a fundamental da tríade diminuta da sensível que, conforme foi estudado no item 7 da Unidade 9A (contraponto modal), devem ser usadas em primeira inversão, princípio este que se manteve por algum tempo na passagem para a música tonal. E é bom lembrar que na tríade da dominante em primeira inversão é a sensível que está no baixo e ela necessariamente deve resolver no primeiro grau.

12 - Tríades diminutas.

A partir de agora é possível utilizar tríades diminutas em primeira inversão. Para evitar a dissonância de quarta aumentada ou quinta diminuta envolvendo o baixo deve-se duplicar a terça preferencialmente, já que não se pode duplicar a fundamental.


Encadeamento de tríades em segunda inversão.

13 - Generalidades.

Nesses encadeamentos, a quinta da tríade está agora no baixo. Diferente das tríades em primeira inversão, as tríades em segunda inversão não são usadas como substitutas da posição fundamental. Em particular, com a tríade da tônica que tem como quinta a nota que é a fundamental da dominante, a quinta no baixo desestabiliza a função da tônica. Além do mais, quando a quinta está no baixo, forma-se um intervalo de quarta com alguma voz superior e, como já se viu na Unidade 9A, quartas relacionadas com o baixo eram tratadas como dissonâncias e essa concepção manteve-se na música tonal por muito tempo.

Além das tríades perfeitas em segunda inversão que tem o intervalo de quarta com o baixo, as tríades aumentadas e diminutas também contêm dissonâncias envolvendo o baixo, respectivamente a quarta aumentada e a quarta diminuta. O texto de Kostka (2018, p. 133) confirma essas afirmações.

Como os compositores da era tonal reconheciam a instabilidade do acorde 64(seis-quatro), (a única posição em que há uma quarta acima do baixo), o acorde não é usado como um substituto para as sonoridades mais estáveis da posição fundamental e da primeira inversão. Ele é usado em arpejos do baixo bem como em muitos outros contextos a serem descritos a seguir. De fato, se você usar uma acorde seis-quatro que não seja representativo de nenhuma das categorias discutidas adiante, ele seria provavelmente considerado como um uso incorreto neste estilo.

Para além das quartas acima do baixo resultantes de arpejos e linhas melódicas no baixo, há três contextos bem específicos em que as tríades em segunda inversão ocorrem:

  • I64 cadencial;
  • 64 de passagem; e
  • 64 pedal (ou bordadura).

14 - I64cadencial.

O I64cadencial não representa a tríade da tônica! Em geral ocorre numa posição métrica mais forte do que a tríade da dominante que o sucede invariavelmente. As duas tríades juntas são consideradas como apenas uma função de dominante e a notação para indicar sua ocorrência está ilustrada no Exemplo 20 a seguir. Observe-se que se deve duplicar a quinta da tríade da tônica no encadeamento com a dominante em posição fundamental.

Exemplo 20:

Para encadear tríades em segunda inversão procede-se como mostra o esquema ilustrado no Exemplo 21 a seguir. As vozes superiores podem estar em qualquer disposição, mas é importante duplicar a quinta na tríade da tônica pois esta será a fundamental da dominante que permanece comum com o baixo da tríade da dominante.

Exemplo 21:


15 - I64de passagem.

O I64 de passagem também é um resquício do tratamento das dissonâncias no contraponto modal. Dissonâncias (com exceção das suspensões) só podiam ser usadas em tempos fracos como notas de passagem. Assim, a tríade em segunda inversão geralmente aparece em posição métrica mais fraca com o baixo seguindo por grau conjunto na mesma direção e o encadeamento é feito conforme mostra o Exemplo 22.

Exemplo 22:

Em geral usa-se V64como passagem entre a posição fundamental e a primeira inversão da tríade da tônica (Exemplo 22a), ou o I64como passagem entre as tríades da subdominante e da supertônica ambas em primeira inversão (Exemplo 22b). É útil para harmonizar partes de escalas e enfraquecer dominantes que não sejam conclusivas. Na análise costuma-se escrever a tríade de passagem entre parênteses.


16 - I64pedal (ou bordadura, ou estacionário).

O I64pedal resulta do encadeamento das tríades da tônica em posição fundamental e da subdominante em segunda inversão (Exemplo 23a) ou das tríades da dominante em posição fundamental e da tônica em segunda inversão (Exemplo 23b). São ditas pedal porque a quinta da subdominante é a fundamental da tônica e a quinta da tônica é a fundamental da dominante e elas permanecem estacionárias no baixo enquanto as outras partes se movem por grau conjunto em direção contrária como na bordadura. [Ver comentário ao lado.]

Exemplo 23:

Em geral usa-se V64como passagem entre a posição fundamental e a primeira inversão da tríade da tônica, ou o I64 como passagem entre as tríades da subdominante e da supertônica ambas em primeira inversão.


Fim da Unidade 9A.

Voltar para as Unidades