Breve História da Notação Musical.

Introdução.

Em NOTAÇÃO MUSICAL eu proponho oferecer um instrumento para tornar a notação efetiva e acurada mais acessível. A difundida falta de conhecimento concernente a este elemento vital da música – que propriamente deve preceder o estudo formal de harmonia, contraponto, forma e orquestração – não é inteiramente resultado da preguiça ou indiferença da parte dos músicos. Executantes, regentes, compositores, estudantes de teoria – todos devem ter acesso à informação notacional atualizada, apresentada concisamente junto a um plano de fundo histórico mínimo e com ampla oportunidade de colocar os princípios básicos em prática.

Nenhum autor, certamente, pode adequadamente abarcar todos os problemas potenciais na arte elusiva da música – a qual existe no tempo mais do que no espaço, embora esteja atada a um vocabulário limitado de símbolos criados para o ouvido, mas acessíveis somente através dos olhos. O compositor estará sempre à frente de sua expressão escrita; ele se exprime hoje num estilo pancromático, atonal, ou microtonal que merece algo muito mais flexível do que uma pauta de cinco linhas, três sinais de clave, cinco acidentes e dois tipos de cabeças de notas – todos ajustados para a música diatônica numa escala de sete notas. Além disso, o músico praticante do Século XX exerce um ofício indispensável baseado no sistema existente conforme ele é praticado pelos mais reputados editores do mundo. Não podemos desculpar sua ignorância disso mais do que escusaríamos – sem piedade de uma auto-educação inepta – quaisquer erros de ortografia ou a sintaxe mutilada de um novelista profissional. No comando automático desta técnica básica, o compositor ou o executante serão capazes de resolver os problemas notacionais inerentes a qualquer idéia com um pouco de lógica e bom senso.

Dominar a linguagem escrita própria da profissão escolhida é a obrigação mínima do músico aspirante à sua arte. NOTAÇÃO MUSICAL é dedicado àquele domínio.

(READ, 1979, pp. vi-vii.)


Notação com Letras.

Musicólogos deduziram de suas pesquisas que os gregos pré-cristãos tinham pelo menos quatro sistemas diferentes de notação musical, todas derivadas das letras do alfabeto. Para ver como essa música antiga era escrita, podemos comparar uma versão alfabética com a moderna escala de duas oitavas do A na clave de Fá ao a' na clave de Sol (ver na coluna de texto à direita a relação de símbolos de registro).

Exemplo A.

Além da sua forma normal vertical – usada para designar as notas básicas – as letras podem assumir uma posição alterada para indicar que a nota devia ser mais aguda ou mais grave, com a mesma finalidade com que empregamos sustenidos ou bemóis. Por essa razão, o executante poderia ver versões como as seguintes:

Revertidas:
Viradas de lado:

Quando certas letras não podiam ser revertidas () ou colocadas de lado (), as próprias letras tinham que ser alteradas com novos sinais. A duração das notas envolvidas era às vezes indicada por um sinal em conjunção com a letra, mostrando quantas contagens (ou tempos) a nota recebia:

── = 2 tempos, ──┘ = 3 tempos, └──┘ = 4 tempos, └─┴─┘ = 5 tempos

Nesse sistema uma melodia poderia ser notada com a seguinte sequência de letras e sinais métricos:

Exemplo B.

Dizem que por volta da metade do Século IV A.D. os sistemas alfabéticos continham bem mais de 1600 sinais, símbolos e formas de letras diferentes. Para complicar as coisas ainda mais, os gregos empregavam um sistema para a notação de música vocal (o alfabeto jônio) e um sistema completamente diferente para a música instrumental (letras fenícias e sinais relacionados). O que quer que se diga com relação às complexidades ou inadequações do nosso sistema atual, um conjunto básico e uniforme de símbolos serve para todos os meios.

Na Itália do Século VI o monge professor Boécio inventou uma adaptação pessoal dos sistemas alfabéticos. O "sistema boeciano" (mais famoso como uma teoria do que como uma prática) designava as quinze notas de um âmbito de duas oitavas usando as primeiras quinze letras do alfabeto greco-latino.

Exemplo C.

Empregando esse esquema de notação podemos notar outra melodia improvisada da seguinte maneira:

Exemplo D.

Muitos outros sistemas de letras e sinais foram tentados durante a Idade Média (Séculos VIII a XIV). Mas o novo desenvolvimento mais significante na notação musical foi o uso de neumas (do grego neuma, significando "sinal" ou "aceno"), que gradualmente substituiu as letras do alfabeto no cantochão da igreja Cristã. (Ver o Exemplo a seguir.)

Exemplo de cantochão em notação neumática.


Neumas.

Na sua forma mais antiga os neumas derivaram, simplesmente, dos dois sinais básicos da prosódia grega: o acutus () para uma inflexão ascendente da voz e, o gravis () para uma inflexão descendente. Várias combinações de acutus e gravis resultaram em tais símbolos inerentemente desritivos como esses:

  • = inflexão ascendente seguida por uma descendente
  • = inflexão descendente seguida por uma ascendente
  • = subida - descida - subida
  • = descida - subida - descida

Curiosamente, alguns dos sinais prosódicos ainda são válidos nas línguas românicas modernas. O francês, por exemplo, tem seu accent aigu (´) como em prélude e, seu accent grave (`) como em première, bem como o accent circonflexe (^) como em tête.

No entanto - embora fossem pictóricos - os neumas não podiam indicar exatamente o quão agudo o ascenso melódico seria ou quão grave o descenso; fosse o intervalo tão pequeno quanto o semitom ou o tom moderno ou, tão amplo quanto a nossa terça ou quarta. Verdade, a distância na qual os neumas eram colocados acima das palavras do cantochão podia indicar aproximadamente um intervalo melódico. Mas eles certamente não tinham capacidade para descrever qualquer valor temporal mais sutil do que o comprimento falado das sílabas latinas sobre as quais eles eram escritos. Tivesse a notação perseverado nesse sistema - tão restrito no seu controle tanto dos tons quanto das durações - nossas modernas obras-primas nunca poderiam ter sido escritas.

Ainda assim, à medida que o canto gregoriano se desenvolveu durante a Idade Média, a notação neumática sofreu mudanças e modificações significativas. Com canetas de pena mais eficientes substituindo as suas canetas de cana, os monges que tão laboriosamente copiavam os manuscritos podiam inscrever formas de neumas mais livremente variadas. Alguns sinais adquiriram uma "cabeça" (a virga, por exemplo); outros foram ainda mais radicalmente alterados (o torculus e o porrectus, por exemplo - ver o Quadro de Neumas mais adiante).

Durante este período de transição para o sistema de neumas, o acutus () veio a ser conhecido como a virga (latim para "haste"), embora retivesse seu antigo traço inclinado. O outro sinal básico, o gravis (), entretanto, foi substituído ocasionalmente por uma pequena linha curva () e, mais frequentemente, por um ponto grosso () e, nessa forma, era chamado pelo seu nome latino punctum. Essas modificações neumáticas podem ser consideradas fundamentais entre as formas mais antigas - que eram claramente relacionadas com os sinais gramaticais gregos - e a primeira tentativa de desenvolvimento das modernas formas das notas nos Séculos XVI e XVII. Especialmente fascinantes pelos seus traços gráficos e nomes descritivos, alguns dessas formas de neumas estão mostradas a seguir:

Podatus (às vezes Pes) literalmente "pé"do grave para o agudo
Clivis "encosta" (de um monte)do agudo para o grave
Scandicus "subida"3 notas ascendentes
Climacus "escada"3 notas descendentes
Torculus "torcido"grave-agudo-grave
Porrectus "estendido"agudo-grave-agudo

Ao mesmo tempo os neumas começaram a ser classificados de acordo com a maneira pela qual funcionavam. Usados somente para a notação melódica eram os neumas normais - tanto neumas simples (sinais tais como a virga e o punctum para notas individuais e outros para grupos de duas ou três notas) quanto neumas compostos (várias amálgamas ou variações de neumas simples, usados para grupos de quatro ou cinco notas). Além dos neumas "normais" havia uma segunda categoria: neumas indicando formas de execução ou interpretação. Estes, entretanto, eram tão complicados que os tornavam província exclusiva do musicólogo avançado, em vez de material para o notador moderno. O único atributo que devemos notar é que mesmo esses neumas de "execução" não tinham nada a ver com indicação rítmica, o que foi um desenvolvimento muito posterior.

Após esse período crucial - e entre os Séculos IX e XIII - os neumas foram ainda mais modificados em formas quadradas que mais se assemelham às nossas notas modernas do que quaisquer símbolos anteriores, embora ainda sem qualquer implicação de valores de tempo. Essa evolução foi principalmente resultado de sua colocação entre linhas de pauta, um desenvolvimento que seguiremos em páginas posteriores, mas mais uma vez os neumas de notas individuais eram a base para todas as mudanças feitas para combinações maiores. A virga original () veio a ser escrita como uma forma de nota quadrada (), enquanto o punctum () foi alterado para a forma de um ponto quadrado ().

Em suas formas de notas quadradas, conhecidas como Góticas, duas ou mais notas podiam ser juntadas para formar um único grupo chamado ligadura. Essas notas quadradas e ligaduras podem ainda ser vistas nas edições de canto gregoriano usadas pelos monges de Solesmes da França, e em várias edições vaticanas - incluindo o Liber Usualis ("Livro Habitual") da igreja católica (ver Exemplos I e N).

Já deve estar bem claro agora que o sistema inteiro de neumas, a despeito das mudanças e melhoramentos, tinha muitas limitações, particularmente no ensino de música. Úteis somente como um lembrete para os cantores, refrescando sua memória dos ascensos e descensos gerais originalmente aprendidos de cor, os neumas proviam apenas o contorno superficial da linha melódica do cantochão - não um mapa exato pelo qual um noviço pudesse abordar um território musical desconhecido.

Exemplo E: Quadro de Neumas.

Para alcançar um sistema notacional digno de permanência era necessário encontrar um método para indicar o tom exato, ao menos em relação às notas melódicas precedentes e subsequentes. Mais ainda, era essencial denotar a duração precisa de todas as notas, de modo que sua duração não precisasse sempre duplicar a duração da sílaba falada. Esses dois problemas foram resolvidos com vários graus de sucesso imediato pela invenção de linhas de pauta e codificação dos modos rítmicos.


Linhas de pauta.

Tomando a solução dos dois problemas em ordem cronológica, descobrimos um profeta isolado da moderna pauta no autor anônimo de Musica Enchiriadis ("Manual de Música"), um tratado teórico do Século IX dando exemplos de música polifônica antiga, especialmente de organum paralelo. (O organum paralelo era a prática de duplicar uma melodia litúrgica, dada pela voz do tenor, a um intervalo fixo - tanto uma quarta justa quanto uma quinta justa - abaixo da linha original.) Esse inovador abandonou os sinais dos neumas e colocou as sílabas do texto nos espaços de uma pauta de seis linhas. Á margem da página, os espaços entre as linhas eram rotulados como tons inteiros (marcados com T, de tonus) ou semitons (marcados com S, de semitonium). A posição das palavras ou sílabas nos espaços apropriados indicavam os tons relativos da melodia.

Exemplo F:

Se por alguma razão musicológica obscura desejássemos notar America, the Beautiful por esse sistema, começaríamos a primeira frase assim:

Exemplo G:

Deve-se observar que a duração rítmica das notas separadas não poderia ser expressa por esse sistema melhor do que por neumas; por isso a nossa bem conhecida melodia está aqui notada em valores de semibreves iguais arbitrárias.

Quão surpreendente é que este recurso de usar linhas horizontais, tão intimamente ligado ao nosso sistema moderno de notação em pauta, não tenha criado seguidores permanentes no século seguinte ao seu surgimento, de modo que a "invenção" de uma única linha de notas no Século X parecesse uma ideia completamente nova de notação musical! Pautas de cinco e seis linhas não reapareceram até bem adentro do Século XII, quase 400 anos após a sua reverência no Musica Enchiriadis.

O primeiro progresso duradouro em direção ao estabelecimento de um tom definido - um ponto central ao qual todos os intervalos melódicos poderiam estar relacionados - veio com o desenho de uma única linha horizontal acima das palavras do texto do cantochão latino. Esta linha representava um tom fixo e a posição dos neumas em relação à linha indicava seus graus de agudeza e graveza. Essa invenção do Século X, seu autor é desconhecido por nós, marca o verdadeiro início da moderna notação em pauta.

Exemplo H:

Essa linha única, geralmente colorida de vermelho nos antigos pergaminhos, representava o tom do f abaixo do c' [o Fá abaixo do Dó central (N.T.)]. Sem dúvida escolhida como ponto intermediário de muitas melodias do cantochão, bem como meio termo entre os registros das vozes do tenor e do baixo (somente vozes masculinas eram permitidas a cantar o canto gregoriano antigo). Um pouco mais tarde a linha foi realmente precedida pela letra latina f: . Agora os neumas podiam ser colocados sobre, abaixo ou acima dessa linha vermelha, dando assim uma indicação muito mais acuradadas das relações entre seus tons do que era possivel antes. (Ver o Exemplo H.)

Não demorou muito para que uma segunda linha horizontal fosse desenhada acima da linha f existente, estabelecendo mais relações intervalares consecutivas na melodia do cantochão. Essa linha adicionada era colorida de amarelo ou de verde e representava o tom de c', uma quinta acima da linha do f: ou .

Ambos os tons representados por aquelas linhas horizontais, é interessante observar, tem semitons naturais abaixo delas (b abaixo do c' e, e abaixo do f). A escolha das linhas do f e do c', portanto, pode ter sido projetada para chamar a atenção para esses intervalos de semitom, uma consideração importante na distinção das várias escalas modais em uso naquela época.

Como duas linhas representando tons fixos provaram ser inestimavelmente valiosas para os cantores de cantochão, era só uma questão de tempo antes que uma terceira linha fosse adicionada para clarificar ainda mais o problema da referência dos tons. Essa terceira linha, de cor preta, era colocada a meio caminho entre as linhas do f e do c', representando assim a nota a. Assim, cada par de linhas indicava a distância de uma terça.

Por volta do Século XII uma quarta linha, novamente desenhada em preto, foi adicionada. Às vezes o intervalo de uma terça assim designado era colocado acima da linha do c' (que o fazia e') e, às vezes abaixo da linha do f (fazendo-o d), dependendo a escolha, do âmbito geral da melodia do cantochão. Essa sistematização foi em grade parte o trabalho do celebrado monge e professor Guido d'Arezzo, cuja valiosa contribuição para a evolução da notação será detalhada mais adiante. É esta pauta de quatro linhas, combinada com neumas de notas quadradas e ligaduras que, - como observado anteriormente - ainda está em uso na música litúrgica Católica Romana.

Alguns manuscritos do início do Século XIII tinham todas as quatro linhas desenhadas em preto. Do Século XIV em diante, entretanto, muitos manuscritos do cantochão tem as quatro linhas coloridas de vermelho. Pode-se imaginar por que essas primeiras pautas deviam ter quatro linhas, em vez de cinco, seis ou mais. A razão é que a melodia do cantochão raramente excede o âmbito de uma oitava; as notas, portanto, podiam ser acomodadas completamente em quatro linhas e três espaços. À medida que o âmbito da música aumentou, também aumentou o tamanho da pauta. A música instrumental que requeria um âmbito maior do que a música vocal, mais tarde frequentemente usava uma pauta variando de seis a até quinze linhas.

Mas fosse empregando uma pauta de duas linhas, uma pauta de quatro linhas ou, mesmo uma de cinco ou seis linhas (um desenvolvimento um tanto posterior), o processo de notação neumática era basicamente o mesmo. Os neumas eram colocados em relação às linhas e os espaços intervenientes, assim como as nossas modernas cabeças de notas hoje são exibidas em linhas ou espaços. Não se deve imaginar, entretanto, que o processo de adicionar linhas uma a uma acima do texto do cantochão foi rápido ou sistemático. Como todos os processos evolutivos, o desenvolvimento da notação com intervalos medidos (denominada diastemática [do grego diastema significando intervalo]) foi vagaroso - mesmo errático. Tão escassa era a comunicação entre países tão distantes quanto a Itália e a Holanda que cada qual podia estar lutando simultaneamente com inovações idênticas ou perseguindo teses bem diferentes. Assim deficiente, o processo de tatear em direção a um sistema completamente satisfatório de notação linear cobriu muitos séculos.


Notação Rítmica.

Na exposição precedente do desenvolvimento da pauta observamos que a adoção de linhas horizontais paralelas desenhadas acima do texto do cantochão ajudou a estabelecer a indicação de relações entre notas sucessivas. Mas isso foi apenas metade do problema a confrontar os teóricos e músicos da Idade Média. A outra incógnita crucial era como representar a duração dos tons - através dos neumas ou das formas de notas quadradas posteriores ou, por algum outro método. Esse problema tornou-se agudo quando a música se expandiu para duas ou mais vozes cantando partes independentes. Duas vozes podiam ser coordenadas com razoável precisão, mas mais do que duas requeria um método mais rigoroso de controle do tempo.

Por isso, havia implicações rítmicas nos símbolos dos manuscritos litúrgicos daquele período, mas os historiadores da música não estão em total concordância quanto à sua interpretação e documentam suas visões divergentes com pesquisas impressionantes. Seus argumentos centram-se na questão de se as execuções reais eram estritamente medidas (empregando o que poderíamos chamar de ritmo mensural) ou se eram livres (no sentido de que não havia acento recorrente regular).

Podemos ilustrar brevemente essa área de contenda comparando as seguintes transcrições de uma porção de um cantochão gregoriano - a Antífona Asperges Me. A melodia é primeiramente dada na notação gregoriana, como ela aparece hoje em fontes tais como o Liber Usualis. Depois segue uma translação rítmica "livre" (sem acentos recorrentes regulares), conforme é advogada e praticada pelos monges de Solesmes. A próxima é uma transcrição mensural (com uma pulsação estabelecida criando padrões recorrentes). Esta é seguida por um tipo diferente de mensuralismo conhecido como "pulso de neuma" - uma versão mais ou menos como uma combinação das duas interpretações precedentes.

Exemplo I:

Nenhum leitor desta Breve História irá esperar que todas essas disputas eruditas como aquelas anteriores sejam resolvidas pela ação rápida de um lápis professoral. Tais argumentos são eles mesmos prova de que o sistema de notação dos neumas não era perfeitamente claro. Mas ainda deve ser possível ter uma visão bastante coerente do processo pelo qual os símbolos musicais vieram a indicar tanto o tom quanto a duração.

A um sistema do Século XIII foi dado o título confuso de modos rítmicos. Na prática, esses modos eram na verdade agrupamentos muito simples de valores de tempo curtos e longos numa medida de três partes, repetidos como uma unidade completa uma quantidade de vezes, da mesma forma que um certo agrupamento de sílabas é repetido continuamente em uma linha de poesia. Por essa razão, os modos rítmicos são frequentemente colocados em gráficos comparando-os com símbolos poéticos, bem como com valores de notas modernos.

Modo I–longa-curtaou
Modo II–curta-longaou
Modo III–longa-curta-curtaou
Modo IV–curta-curta-longaou
Modo V–longa-longa-longaou
Modo VI–curta-curta-curtaou

Embora esses padrões fossem claros e bastante flexíveis no uso, suas evidentes limitações reduziam as possibilidades para desenvolvimentos continuados. Durante o mesmo período, entretanto, as formas dos neumas começaram a assumir uma significância rítmica individual que foi lentamente evolvendo nas formas das notas modernas.

Como um primeiro passo, por volta de meados do Século XIII, as duas formas dos neumas de nota única - a virga () e o punctum () - tornaram-se os símbolos para a duração de tempo da longa e da curta respectivamente. Nessa forma rítmica a virga era chamada de longa (literalmente uma "nota longa"), enquanto o punctum era chamado de brevis, ou breve ("curta" em Latim). No final do século outro símbolo, chamado semibreve, tinha entrado em uso. Sua forma () era obviamente derivada da breve quadrada e, logicamente, sua duração era metade da breve.

A partir desse ponto, a evolução das formas das notas da musica mensurabilis (música mensurada) pode ser mais claramente seguida na apresentação gráfica do Quadro de Formas de Notas. Ele traça a transição dos acentos da prosódia grega para os neumas. dos neumas para as várias formas mensurais (símbolos de indicadção de tempo) que formaram a base para os "modos" rítmicos e, dos neumas mensurais para a notação moderna aproximada.

Exemplo J: Quadro das Formas de Notas.

Conforme mostrado no Quadro das Formas de Notas, havia no final do Século XIV cinco símbolos de notas em uso para o ritmo: a maxima, ou duplex longa (igual a duas longas), a longa, a breve, a semibreve e, um novo valor chamado de minima ("a menor"). O sinal para para este novo valor era o mesmo da semibreve, mas com uma haste vinculada. No século seguinte ficou aparente que a minima não era o "menor" valor de nota, já que a semiminima, a fusa e a semifusa tinham sido adicionadas no final mais curto da escala rítmica.

Infelizmente, a relação matemática do esquema de notas mostrado anteriormente foi historicamente não tão precisa quanto o Quadro pode indicar. No quadro, cada nota sucedente tem exatamente a metade do valor do símbolo da nota que a precede na escala de valores: a semifusa é metade do valor da fusa; a fusa metade do valor da semiminima. E isso era verdade no Século XIV - mas somente no metro duplo (de duas partes). Como iremos descrever em mais detalhe [mais adiante em outro capítulo], o sistema inteiro de notação mensural foi inicialmente concebido exclusivamente para o metro ternário (contagem de três) - conhecido então como metro "perfeito". Por isso, no período inicial cada nota tinha um terço da duração do símbolo da nota que a precedia na escala. Nesse esquema de três partes, uma longa () era igual a três breves ( ), de modo que quando o metro duplo foi notado pela primeira vez houve uma extrema confusão sobre o método apropriado para distinguir os valores das notas nos dois metros. Um dos métodos empregados era a "coloração", no qual as notas no metro de duas contagens eram escritas vazadas (ou "brancas") e as notas no metro de três contagens eram escritas em vermelho e, mais tarde, em preto. No Século XV cabeças de notas pretas e brancas estavam padronizadas - uma prática que foi estendida à notação atual.

Que possamos a esta distância histórica fazer um Quadro das Notas, não indica, certamente, que a notação daquele período estivesse de alguma forma estabilizada. Certos compositores italianos e franceses do final do Século XIV inventaram muitas outras formas de notas que - cpor não aparecerem em outros manuscritos do período - devem ter sido usadas somente por eles. Uns poucos desses símbolos, mostrados a seguir, fazem uma comparação interessante com as formas mais padronizadas fornecidas no Quadro anterior.

Exemplo K:

Diferenças na interpretação bem como nas formas reais das notas refletem o estado não sistematizado da notação mensural nesse período. Tão disparatadas eram as interpretações dos padrões de notas idênticos que no campo da música secular desenvolveu-se uma identificável "maneira francesa" de interpretação e uma "maneira italiana". Então, para complicar ainda mais, um músico francês do Século XIV podia ocasionalmente executar à "maneira italiana" e um executante italiano à "maneira francesa". O exemplo seguinte mostra algumas variantes características na execução de sinais mensurais básicos:

Exemplo L:

Enquanto todas as fases anteriores de indicar o tom e a duração do som musical estavam sentindo o seu caminho, havia o desenvolvimento simultâneo de uma notação mensural para cuidar das pausas - ou momentos de silêncio - que são de igual importância com o som. No início da notação dos neumas, essas pausas que não tinham valor exato, eram indicadas por barras curtas no topo da linha ou das linhas usadas, como se vê a seguir. Na notação mensural, as pausas às vezes eram mostradas por linhas verticais desenhadas na pauta. A quantidade de tempos envolvida determinava o comprimento da linha vertical: uma pausa de um tempo cobriria um espaço; uma de dois tempos ocuparia dois espaços e assim por diante.

Exemplo M:

À medida que a linha vertical passou a assumir outras funções, tornou-se necessário procurar símbolos para as pausas mais distintos em um período histórico posterior. Esses símbolos modernos serão totalmente discutidos em outro capítulo.


Silabas para a Escala.

Embora esteja apenas indiretamente relacionado com os problemas gêmeos da notação dos tons e do ritmo, o desenvolvimento de sílabas para a escala merece nossa atenção aqui, sendo contemporâneo com a sistematização das linhas de pauta e sinais de clave. Todas essas três realizações são geralmente atribuídas ao monge erudito italiano do Século XI Guido d'Arezzo, apesar de pesquisas modernas terem verificado incontestavelmente apenas a sua invenção do sistema de sílabas para ler música. Mas, se não foi o real iniciador das linhas da pauta e dos sinais de clave, Guido foi grandemente responsável por estabelecer o seu uso para notar música.

A origem do conceito de sílabas para a escala de Guido - ut, re, mi, fa, sol, la - tem sido recontada muitas vezes. Confrontado com o tédio eterno de ensinar melodias litúrgicas de cor, este monge - por acidente ou desígnio - fez a descoberta crucial de que as seis linhas consecutivas do hino Sáfico a São João Batista começavam em seis graus de tons ascendentes sucessivos.

A mente pedagógica de Guido parece ter transformado a descoberta em oportunidade, pois ele foi inspirado a nomear cada grau ascendente da escala ascendente cm a primeira sílaba encontrada abaixo dela no hino. Usando essas sílabas curtas, facilmente aprendidas mesmo por jovens estudantes, ele foi capaz de transformar o seu ensino e o dos séculos por vir. Pois esse método de sílabas para identificar os graus da escala tornou-se o fundamento da nossa moderna nomenclatura, dada aqui nas formas com as quais foram escritas e cantadas. (Ver o Exemplo O.)

Exemplo N:

Nota-se, com certeza, que aqui há uma discrepância entre s escala de seis sons de Guido e as nossas modernas escalas maiores e menores de sete notas. A nota e a sílaba faltante é o si, o sétimo grau de qualquer escala maior.

Exemplo O: Sílabas para a escala de Dó Maior.

Acredita-se que a sílaba si seja derivada das letras iniciais de Sancte Iohannes, forma latina de "São João". O sétimo grau da escala, no entanto, não recebeu esse nome até vários séculos depois de a escala de seis notas de Guido ser estabelecida. A prática moderna - como mostrado anteriormente - modificou o si para ti e, em inglês, alemão e italiano o ut foi alterado para do. [Em português: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si (N.T.).]


Os hexacordes.

As seis notas sucessivas da escala de Guido eram conhecidas como hexacorde (do grego hexa, significando "seis" e, chordé, significando "corda" ou "nota"). Este hexacorde era um padrão fixo de intervalos: dois tons inteiros (c para d, d para e), um semitom (e para f) e, dois tons inteiros (f para g, g para a). (Ver Exemplo P, Nos. 2 e 5.)

Quando um registro diferente era necessário, para acomodar vozes mais agudas ou mais graves, o hexacorde era movido para cima ou para baixo de modo a começar numa nota diferente. Descobriu-se que quando o hexacorde era movido acima ou abaixo para começar em G ou g a mesma relação de graus da escala prevalecia. (Ver Exemplo P, Nos. 1, 4 e 7). Mas quando o hexacorde era movido acima para começar no f, o quarto grau acima do f (o b) tinha que ser um semitom mais grave de modo a conformar-se com o padrão original de intervalos (Exemplo P, Nos. 2 e 6.)

Exemplo P: Quadro do sistema de hexacordes.

Para distinguir entre esta forma abaixada do b e a forma natural encontrada no hexacorde começado em g, duas formas de letras eram empregadas. A forma abaixada era uma letra b arredondada (b rotundum; em latim ). A forma natural era um formato quadrado do b (b quadrum: ). A prática era chamar o b arredondado de "mole" (em latim molle) e o b quadrado de "duro" (em latim durum). Assim, aconteceu de o hexacorde em g, (que usava o b natural ou quadrado) era o hexacorde "duro" enquanto o que começava em f (que empregava o b arredondado ou mole) era o hexacorde "mole". O hexacorde original em c era denominado "natural" pois não continha a nota b em qualquer forma.

A fim de cobrir toda a extensão vocal em uso durante o Sèculo XI (do G até o e''), certos hexacordes eram movidos para cima ou para baixo por uma oitava. O hexacorde "duro" podia ser movido abaixo para começar em G, bem como uma oitava acima para começar no g'. O hexacorde "mole" começando em f só podia ser movido acima, pois uma oitava abaixo do seu tom original era considerado muito grave para o conforto vocal. Pela mesma razão o hexacorde "natural" em c somente podia ser colocado uma oitava acima. Assim, os quinto, sexto e sétimo hexacordes eram meramente duplicações dos segundo, terceiro e quarto hexacordes num âmbito mais agudo e, o e o quarto duplicava o primeiro uma oitava acima. Nota-se no quadro precedente do sistema hexacordal que a primeira nota do hexacorde mais grave está marcada com o sinal: em vez da sílaba ut. Esta é a letra grega "gama", ou letra G, que era a nota mais grave do primeiro hexacorde e por isso designava o início da "gamut" das notas seguintes. Gamut, significando "escala" ou "âmbito", deriva da combinação de gama com ut - a sílaba cantada na nota mais grave do hexacorde.


Notação em Tablatura.

Nosso breve exame da história da notação musical não estaria completo sem uma descrição da notação em tablatura empregada para instrumentos de teclado e para o alaúde durante o Século XVI. Em resumo, a notação em tablatura fazia uso de letras ou números em vez de neumas ou notas quadradas. Além disso, os números, letras ou combinações de ambos eram colocados num diagrama parecido com uma pauta que literalmente representava as cordas, os trastes ou as teclas do instrumento. O princípio básico da tablatura para alaúde, por exemplo, era que as suas seis cordas fossem representadas por seis linhas horizontais - a linha inferior indicando a corda mais grave na notação espanhola e a mais aguda na notação italiana. Os números referiam-se aos trastes na escala [braço]: 0 era a corda solta, 1 o primeiro traste (um semitom mais agudo), 2 o segundo traste (dois semitons mais agudo) e assim por diante - os trastes tornando simples para o músico colocar os dedos com precisão. Em um dos sistemas o ritmo era indicado por notas colocadas acima da "pauta" de seis linhas; em outro sistema, hastes com colchetes colocadas logo acima dos números dos trastes mostrava o esquema rítmico.

Exemplo Q: Tablatura de alaúde.

A notação em tablatura era, entretanto, basicamente insatisfatória porque não tinha relação gráfica com os intervalos tocados, mas mostrava apenas a localização dos dedos na tecla, no traste ou na corda. E mais, o sistema variava muito de instrumento para instrumento. A tablatura para alaúde e a tablatura para órgão eram totalmente diferentes e mesmo o sistema usado pelos alaudistas italianos diferia daquele dos executantes franceses ou espanhóis - como mostrado no exemplo anterior.

Tanto era assim que algum tipo de sistema universal de notação teve que ser projetado, adaptável a todos os instrumentos e vozes. A notação em pauta de cinco linhas com as modernas formas de notas foi a resposta final, mas isso não foi padronizado até bem adentro do Século XVII. Mesmo então o processo de refinamento continuou por outro século inteiro, durante o qual o sistema adicionou todos os sinais necessários para a interpretação: acentos, ligaduras, dinâmica e indicações de andamento.


A impressão de música antiga.

A nossa notação ortocrônica moderna [(do grego: ortho significando correto e chronos significando tempo)] data aproximadamente do início do Século XVI. Este foi o período em que as notas quadradas vazadas (ou "brancas") e as notas quadradas pretas (ou "coloridas") vieram a ser escritas num formato arredondado. Esta consolidação pode ser considerada uma conseqüência bastante direta da impressão de música, estabelecida logo após a impressão de letras ter sido inventada. Em 1455 a Bíblia de Gutenberg foi publicada, e por volta de 1480 as primeiras obras musicais foram editadas, usando essencialmente os mesmos procedimentos de impressão. Inicialmente esse método combinava dois processos - as linhas da pauta eram impressas primeiro em vermelho e depois as cabeças de notas e o texto em preto. Ao seguir esse plano os impressores de música estavam meramente imitando as práticas dos manuscritos monásticos nos quais as linhas eram desenhadas em vermelho e os neumas (ou ligaduras de notas) em preto.

Um efeito colateral importante da invenção da impressão de música foi a desaceleração do processo evolucionário da notação. Assim como os formatos das letras tornaram-se padronizados pela invenção da impressão de livros, também o formato das notas musicais, sinais de claves, e acidentes tornaram-se mais estáveis quando a impressão de música suplantou a cópia à mão. Se isso foi um resultado desejável é um ponto discutível. Ninguém pode provar sem controvérsia de que o estado da notação musical nos Séculos XVI e XVII representou o desenvolvimento mais alto possível, nem alguém poderia afirmar hoje que não há espaço para melhoramentos no sistema histórico.

Certamente, entretanto, a notação na pauta conforme ela evoluiu desde o advento da imprensa tem essa vantagem: ela combina em um processo simultâneo a representação gráfica da distinção dos tons e a duração do tempo. Além disso, ele preenche muitos requisitos básicos para um sistema visual de comunicação. Os símbolos usados são característicos de seus teores - são mesmo sugestivos dos sons musicais que eles representam. Além disso, esses símbolos são claros e concisos; eles são distintos ao olho (uma nota, uma pausa e um acento não podem ser confundidos uns com os outros) e eles são relativamente fáceis de escrever e imprimir. Finalmente - e de maior importância - a quantidade total de símbolos requeridos na notação musical é comparativamente pequena, um aspecto da notação que é de ajuda inestimável para a memória.

Admitidamente comprimida e, necessariamente incompleta, a Breve História precedente foi concebida para servir apenas como uma crônica introdutória dos elementos da notação que se relacionam com a prática atual. Alguns outros desenvolvimentos serão recontados nos capítulos apropriados da Parte II. Para aqueles que desejarem preencher completamente o impressionante plano de fundo dessa evolução histórica, entretanto, os livros listados na Bibliografia provar-se-ão fontes recompensadoras.

Mesmo partindo deste levantamento truncado, é certamente evidente que a notação musical, como qualquer outra linguagem escrita, não aparece como invenção de um homem, nem mesmo de uma dúzia - por mais geniais que tenham sido. Ela floresceu dos esforços combinados e prolongados de centenas de músicos, todos esperando expressar por símbolos escritos a essência de suas ideias musicais. Melhoramentos naqueles símbolos sugiram porque era necessário, não porque um ou dois indivíduos decidiram arbitrariamente sobre uma mudança e impuseram a inovação aos outros. A notação resultante é, apesar de tudo, um tipo de alfabeto, moldado por um consenso geral de opinião para servir como uma técnica expressiva geral.

Para o pensamento musical - a criação - e sua realização visual - a notação - são completamente interdependentes. A notação por si só não é música; ela é somente o veículo pelo qual o compositor indica suas idéias e desejos ao executante. A notação, portanto, não é o fim, mas o meio significante para o fim. Assim como na linguagem escrita pela qual o compositor comunica-se com uma audiência através de um executante, ela é também um estudo sobre relações humanas - a ser julgado pela efetividade com a qual ela comunica o que fazer, quando fazer, e como fazer.

Uma partitura musical, então, é mais como um manual de instruções - comparável talvez com o roteiro de um framaturgo aguardando seus atores ou, como a planta de um arquiteto esperando um construtor. Uma partitura pode verdadeiramente tornar-se viva somente através do executante; sua mensagem pode ser transladada somente quando os símbolos na página impressa são adequados para a transformação inteligente em realidade musical viva. A fim de que todas as ferramentas dos notadores possam ser mais adequadas, procederemos ao exame dos elementos básicos da música escrita - para definir, ilustrar, discutir e praticar os vários fatores que compreendem a notação musical.


Fim da Breve História da Notação Musical.

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